O artigo que segue abaixo tem como origem (fonte) o site Jus Navigandi
Direito Subjetivo, Pretensão, Ação Material, Pretensão à Tutela Jurídica e Remédio Jurídico Processual
Sumário: 1. Introdução; 2. A juridicização
do suporte fático; 3. A relação jurídica material; 4. Direito subjetivo,
pretensão e ação material; 5. A pretensão à tutela jurídica; 6. O remédio
jurídico processual; 7. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
A ciência jurídica, muitas vezes, coloca-se diante
de grandes debates e questionamentos que são nada mais que imprecisões sobre
conceitos básicos da Teoria Geral do Direito. Referida disciplina, apesar de
sua importância, nem sempre é vista como tendo alguma relevância prática. Por
esta razão, à mesma não é dado o devido destaque entre os doutrinadores
brasileiros.
No campo da prática, os conceitos da Teoria Geral
do Direito são de importância fundamental para que o intérprete – operador do
direito– possa pensar o fenômeno jurídico de forma coerente e lógica,
especialmente no direito processual, onde, por falta de uma análise um pouco
mais detida sobre conceitos capitais do direito, algumas situações não são
muito bem explicadas, como é o caso do que se chama de "direito de
ação", conceito impróprio, porém, amplamente utilizado pelos
processualistas.
Com o intuito de tentar esclarecer alguns destes
conceitos fundamentais, o presente trabalho tem por finalidade a breve análise
dos conceitos de direito subjetivo, pretensão material, ação
material, pretensão
à tutela jurídica e remédio
jurídico processual, como
forma de definir seus significados e estabelecer as distinções entre os mesmos.
2. A JURIDICIZAÇÃO DO SUPORTE
FÁTICO
A estrutura lógica da norma jurídica se apresenta
dotada de um pressuposto hipotético, que é "o descritor de possível
situação fática do mundo (natural ou social, social jurisdicizada, inclusive),
cuja ocorrência na realidade verifica o descrito na hipótese". (VILANOVA,
1997, p. 96). Referida hipótese se liga a um conseqüente, que prescreve
(e não
mais descreve) uma conseqüência para a ocorrência do fato.
A chamada hipótese normativa constitui o que PONTES
DE MIRANDA chama de "suporte fático" (1999 p. 66), que é o conjunto
de fatos previstos pela norma jurídica como pressuposto para sua incidência.
Segundo MELLO "Quando aludimos a suporte fático estamos fazendo referência
a algo (= fato, evento ou conduta) que poderá ocorrer no mundo e que, por ter
sido considerado relevante, tornou-se objeto da normatividade jurídica".
(1995, p. 35).
Assim, há um conjunto de fatos previstos
abstratamente na norma jurídica que se chama suporte fático. Quando estes fatos
ocorrem de forma concreta no mundo dos fatos a norma incide e, portanto, traz
para o mundo do direito aquele conjunto de fatos que ocorreram, qualificando-os
como fatos jurídicos. "Fato jurídico é, pois, o fato ou complexo
de fatos sobre o qual incidiu a regra jurídica; portanto, o fato de que dimana,
agora, ou mais tarde, talvez condicionalmente, ou talvez não dimane eficácia
jurídica". (PONTES DE MIRANDA, 1999, p 126).
Ao afirmar que do fato jurídico pode ou não surgir
eficácia jurídica, PONTES quer dizer que o fato pode entrar no mundo do direito
– sendo, assim, fato jurídico – mas pode não gerar os efeitos previstos na
norma. Isto porque o fato da incidência se dá quando o suporte fático é suficiente, ou seja, quando ocorrem aqueles
fatos essenciais à incidência e o fato ingressa no plano da existência. Desta
forma, apesar de ingressar no plano da existência, pode o fato jurídico
alcançar ou não o plano da eficácia, que é o plano da geração de efeitos.
Ocorrendo os fatos previstos pela norma como
essenciais à sua incidência, tem-se que ocorreu o suporte
fático suficiente e,
destarte, a norma incide. O fenômeno da juridicização ocorre neste momento, com a
incidência da norma que transforma a parte relevante do fato que ocorreu
concretamente em fato jurídico. Somente ultrapassado este momento lógico é que se
pode falar em efeitos jurídicos, entre os quais, a relação jurídica.
"É preciso, portanto, considerar que há a eficácia da norma
jurídica (chamada eficácia legal), de que resulta o fato jurídico, e a eficácia
jurídica, que decorre do fato jurídico já existente. Não é possível, destarte,
falar de eficácia jurídica (direitos, deveres e demais categorias eficaciais)
antes de ocorrida a eficácia legal". (MELLO, 1995, p. 57)
Assim, após a sua entrada no mundo do direito o
fato jurídico é apto a gerar efeitos (já que a passagem pelo plano da validade
não é característica de todos os fatos jurídicos, como também não é requisito
para geração de efeitos, como se vê dos fatos jurídicos nulos que geram
efeitos, como o casamento putativo).
3. A RELAÇÃO JURÍDICA MATERIAL
O plano da geração de efeitos é o plano da
eficácia. Os fatos jurídicos, após entrarem no mundo do direito estão aptos a
gerar efeitos, e o efeito "pode ser meramente qualificador de fatos, de
atos, de coisas ou de pessoas" (VILANOVA, 2000, P. 119), mas o fato
jurídico pode ter também "eficácia completa [...] de acordo com a
conveniência do sistema".(MELLO, 1995, p. 145).
Se o fato jurídico irá gerar tal ou qual efeito não
há como se constatar de forma apriorística. O conteúdo da relação jurídica que
será efeito do fato jurídico está previsto no conseqüente da norma que incidiu
e jurisdicizou o fato, transformando-o em fato jurídico Assim, "A comunidade
jurídica tem liberdade de estabelecer o que deve ser a eficácia do fato
jurídico" (MELLO, 1995, p. 146).
Neste sentido, o efeito do fato jurídico poderá ser
apenas uma qualificação jurídica, que diz respeito a apenas um
sujeito de direito, ou também uma relação entre dois sujeitos, ou seja,
entre entes capazes de ter direitos, pretensões e ações. É aí que surge o
conceito de relação jurídica.
Segundo VILANOVA a relação jurídica "É a
expressão lógica da alteridade, da intersubjetividade, do estar entre outros,
ligado pela normatividade jurídica" (2000, p. 166). No entender do autor, todo e
qualquer efeito jurídico será marcado pela intersubjetividade e, portanto,
sempre será uma relação jurídica: "Onde haja direito incidindo em fatos
sociais [...] aí está a relação jurídica [...]" (VILANOVA, 1997, p.66).
Contudo, há que se fazer uma importante diferença
entre a eficácia que envolve dois ou mais sujeitos, e aquela que – apesar da
intersubjetividade atinente ao direito como um todo – somente diz respeito a um
sujeito de direito em particular. Segundo MELLO (1995, p.147), existem vários
tipos de categorias eficaciais, que se classificam pelos efeitos que são
irradiados pelos fatos jurídicos.
Inicialmente, cabe destacar que todo e qualquer
fato jurídico que entre no mundo do direito gera um mínimo de eficácia que se
pode chamar de situação jurídica básica. A partir daí, de acordo com
cada fato jurídico, temos as categorias de eficácia que podem ser as situações
jurídicas simples – que são
aquelas que dizem respeito a uma única esfera jurídica, como as qualificações
jurídicas; e situações jurídicas complexas – que se subdividem em unilateral
e multilateral.
A situação jurídica complexa
unilateral é aquela
que, mesmo tendo a intersubjetividade a si inerente, seus efeitos vinculativos
se referem a uma única esfera jurídica, como no caso da oferta revogável, que
põe o sujeito em uma situação jurídica que vincula somente a si, mas que,
apesar disso, requer um relacionamento intersubjetivo que pode ou não ocorrer.
A oferta pode ser revogada antes da aceitação, pelo que se resolverá sem
atingir esfera de outrem. (1)
Há, contudo, situações jurídicas que envolvem,
necessariamente uma relação de correspectividade entre sujeitos. Somente aqui,
segundo MELLO (1995, p. 153) há relação jurídica:
Há relação jurídica (= situação jurídica complexa multilateral) quando a
situação jurídica exige, para existir, em caráter de essencialidade, que haja
intersubjetividade jurídica, ou isto é, relacionamento ao menos entre dois
sujeitos de direito (S1 ↔ S2), que implique correspectividade de direito ↔
dever e das demais categorias eficaciais que constituem o seu conteúdo típico.
Percebe-se, conseqüentemente, que, somente quando
há situação que envolva dois sujeitos em relação que implique correspectividadede direitos e obrigações, é que
há relação jurídica. (2) Deste modo, tem-se as categorias eficaciais
que integram a relação jurídica, quais sejam: direito ↔ dever; pretensão ↔
obrigação; ação ↔ situação do acionado; exceção ↔ situação de exceptuado.
(MELLO, 1995, p. 153).
A relação jurídica, segundo MELLO (1995, p. 149), é
somente aquela situação eficacial em que se encontram dois sujeitos com
direitos e deveres correspectivos. Os outros tipos de situação eficacial são
necessariamente intersubjetivos – pois esta é característica própria do direito
– porém, não têm o conteúdo eficacial de uma relação entre dois sujeitos com
direitos e deveres correspectivos:
Quando, porém, dizemos que há uma situação jurídica unissubjetiva, não
queremos excluir a necessária interferência intersubjetiva da conduta que é
inerente ao direito. A conduta para ser considerada jurídica não pode
prescindir da posição do homem diante de outro homem ou da comunidade. A
unissubjetividade a que nos referimos tem caráter apenas eficacial, o que
significa dizer que os efeitos não decorrem de uma relação jurídica específica
entre dois sujeitos de direito, ou melhor, não constituem conteúdo de uma
relação jurídica.
É justamente o que VILANOVA (2000, p. 188) chama de
relação jurídica em sentido amplo, distinguindo-a da relação jurídica em sentido
estrito, que é aquela a que se refere MELLO como sendo, efetivamente, uma
relação jurídica. O importante, todavia, é identificar as diferentes situações
eficaciais existentes e saber distinguí-las, seja ela chamada de relação
jurídica em sentido escrito ou relação jurídica propriamente dita.
4. DIREITO SUBJETIVO, PRETENSÃO E
AÇÃO MATERIAL:
Após a ocorrência, no mundo dos fatos, do suporte
fático, conforme previsto em norma jurídica, esta incide, transformando o
suporte fático em fato jurídico. A eficácia deste fato jurídico pode ser, como
visto, relativa a um sujeito apenas (qualificações jurídicas); relativa a mais
de um sujeito, mas com vinculação de apenas um deles (oferta revogável); ou relativa
a dois sujeitos com correspectividade de direitos e deveres.
Neste último caso é que temos as relações
jurídicas, nas quais ao direito de um sujeito, corresponde um dever do outro.
Aqui, há o que se chama de direito subjetivo, noção que só pode ser alcançada após a análise do
conceito de fato jurídico, segundo nos diz VILANOVA (2000, p. 219):
Inexiste direito subjetivo sem norma incidente sobre fato do homem, ou
sobre o homem como fato: sobre seu mero existir ou sobre conduta sua. O direito
subjetivo é efeito de fato jurídico, ou fato que se juridicizou: situa-se no
lado da relação, que é efeito. Isto quer nos direitos subjetivos absolutos,
privados ou públicos, quer nos direitos subjetivos relativos.
O direito subjetivo é, por conseguinte, aquilo que resulta
da incidência da norma com a formação do fato jurídico, que deixa um sujeito em
relação de vantagem quanto a outro sujeito que, de forma correspectiva, tem um dever
subjetivo.
Normalmente, há, no conteúdo eficacial da relação jurídica, além do direito, a pretensão
de um
sujeito, que corresponde à obrigação do outro. (3)
A pretensão "nasce a partir do momento em que
alguém, titular de um direito subjetivo, está autorizado por lei a exigir de
outrem a satisfação de um interesse protegido[...]" (DANTAS, 1997, p. 27).
Pretensão quer dizer, portanto, exigibilidade. Direito sem pretensão é direito
inexigível. "Pretensão é a posição subjetiva de poder exigir de outrem
alguma prestação positiva ou negativa" (PONTES DE MIRANDA, 1972, p. 52).
Se não se cumpre a obrigação – correspectiva da
pretensão – nasce para o sujeito ativo a ação de direito material, que está no conteúdo da relação
jurídica e é a forma pela qual a pretensão é imposta. A ação de direito material é
parte do conteúdo eficacial da relação jurídica e corresponde à impositividade
da pretensão.
Necessário se faz, portanto, distinguir a ação
material do que se chama comumente de "direito de ação" referindo-se,
geralmente, ao direito que tem o cidadão de buscar o Estado-Juiz para que
tutele sua pretensão material.
5. A PRETENSÃO À TUTELA JURÍDICA
Na verdade ação é a de direito material, conteúdo
da relação jurídica material, que não se confunde com a pretensão
à tutela jurídica, no
dizer de PONTES DE MIRANDA (1999, p. 61):
Outro erro enorme – e esse de James Goldshmidt – é o de se pensar que o
direito judicial material substitui a ação ao direito subjetivo. Direito
subjetivo, pretensão e ação pertencem ao direito material; não se confundem com
a pretensão à tutela jurídica. Não há ação do direito judicial material, porque
a pretensão à tutela jurídica é que, exercendo-se, introduz no plano processual
a alegação do direito subjetivo, da pretensão a da ação (res in iudicium
deducta).
Ao tratar de relação jurídica, PONTES DE MIRANDA
(1999, p. 183) explica que a ação material é parte do próprio conteúdo da
relação jurídica que se formou com a incidência da norma. Deste modo, com a
pretensão violada, nasce a ação material que é conteúdo eficacial da relação
jurídica já formada pela incidência da norma jurídica e que corresponde à
possibilidade de impor a pretensão material.
A falta de rigor com que tais conceitos são
tratados decorre do fato de que, nos ordenamentos modernos, a ação de direito
material somente pode ser utilizada por meio dos órgãos estatais. A autotutela,
como meio de satisfação da pretensão violada, foi extremamente limitada pelo
nosso sistema jurídico. No caso do ordenamento brasileiro, cabe ao Poder
Judiciário, em última instância, impor a pretensão através da força. Porém,
segundo afirma PONTES DE MIRANDA (1972, p. 111): "A coerção
jurídica nem
sempre é judicial. Há, por exemplo, a compensação, que é jurídica, e não é, de
regra, judicial: nela é evidente o fato de autosatisfação do credor".
Como se vê, restam ainda algumas situações em que
se pode utilizar a ação de direito material, como no caso de resistência
imediata para proteção da posse (deforço pessoal e imediato – art. 1210 do
CCB), bem como nos casos de legítima defesa no direito penal e civil (art. 188,
I do CCB e art. 23 II do CPB) e ainda o direito de greve (FREDERICO MARQUES,
1999, p. 05), entre outros casos. Vê-se, desta maneira, que não se pode
confundir a verdadeira ação – que é a de direito material – com a pretensão à
tutela jurídica.
Estas situações demonstram a diferença entre os
conceitos, como bem notou LOURIVAL VILANOVA (2000, p. 191):
Na relação jurídica material (de direito privado ou de direito público)
estão a pretensão e a correspectiva prestação. Sobretudo na relação de direito
material privado. Ao direito subjetivo contrapõe-se o dever jurídico. O ficar o
credor com o dinheiro do devedor para se pagar da dívida não é ato coativo que
venha a reforçar a sanção ou o inadimplemento da obrigação. É ainda momento
incluso na relação de direito material. Como o é a exigibilidade do cumprimento
da prestação, com ou sem, ou contra a observância espontânea do sujeito
obrigado. [...] Desde que o Estado-juiz chamou a si o monopólio da função
jurisdicional, somente como exceção restrita se concede ao titular do direito a
defesa (a autodefesa) dele de mão própria.
Percebe-se, assim, que a ação material não se
confunde com o direito de ter, por parte do Estado, a prestação jurisdicional.
A pretensão à tutela jurídica, não sendo conceito pertencente à relação
jurídica material, decorre de incidência de outra norma jurídica. Segundo
VILANOVA (2000, p. 188/189) seria a norma secundária que, incidindo quando há o
não-cumprimento da obrigação, faz nascer para o sujeito ativo daquela relação
jurídica o direito e a pretensão à tutela jurídica, que tem como sujeito
passivo o Estado-Juiz.
Para este autor a norma jurídica se estrutura da
seguinte maneira: Se é "A", deve ser "B" e, se
não "B" deve ser "C", donde "A" é o suporte fático;
"B" é o efeito que deverá ser gerado pela incidência da norma
jurídica estabelecendo o que se chamou acima de eficácia jurídica, podendo
resultar em uma relação jurídica onde um sujeito tem direitos e outro tem
deveres correspectivos (relação jurídica material); "não B" é o
pressuposto (suporte fático) da norma secundária. O "não B" significa
o descumprimento da obrigação, correspectiva da pretensão que, em ocorrendo,
dará ensejo à incidência da norma secundária que faz nascer o direito de o
sujeito procurar o Estado-juiz para, através do mesmo, impor sua pretensão.
Assim é que, o descumprimento da obrigação é suporte fático para incidência de
outra norma jurídica – a norma sancionadora.
VILANOVA afirma ser a norma secundária oriunda do
direito processual, aquela que faz nascer, com sua incidência, o direito do sujeito
de procurar a tutela jurisdicional: "Ocorrendo o não cumprimento, dá-se o
fato cujo efeito (por isso o não cumprimento é fato jurídico) é outra relação
jurídica, na qual o sujeito ativo fica habilitado a exigir coativamentea prestação, objeto do dever
jurídico" (2000, p. 192).
Surge aqui um questionamento importante, sobre a
natureza jurídica deste direito que tem o sujeito, de procurar o Estado-juiz a
fim de que seja imposta a sua pretensão violada. Afinal, seria este um direito
autônomo, ou vinculado à relação jurídica material?
Da forma como se dá a narrativa de VILANOVA, dá-se
a entender que o direito a se buscar o Estado-juiz seria decorrente da violação
ao direito material, sendo, portanto, um direito vinculado à relação de direito
material. Neste sentido, veja-se o que afirma FRANCISCO WILDO LACERDA DANTAS
(1997, p. 28):
Insista-se em dizer que a ação de direito processual somente tem lugar
quando resultou debalde o exercício da pretensão, que se limita a exigir e o da
ação material, em que o titular exercita uma atividade, no campo do direito
material. Permanecendo a resistência à pretensão, nasce o direito de ação
processual, por isso se denomina este momento de actio nata, noção de grande
importância para o manejo do processo.
Da citação acima, entende-se que o autor liga a
pretensão à tutela jurídica à não-efetivação da obrigação correspectiva da
pretensão material. Em sendo assim, só haveria pretensão à tutela jurídica se
houver direito subjetivo violado. Esta concepção, porém, não resiste a um
questionamento importante: no caso da "ação" que é julgada
improcedente, pode-se considerar que houve pretensão à tutela jurídica? Se a "ação" é julgada
improcedente, quer dizer que o sujeito não teve sua pretensão violada, ou seja,
não há que se falar em sanção ao réu, que saiu vitorioso.
Em se considerando a pretensão à tutela jurídica
como decorrente da violação à pretensão de direito material, não há como
explicar o fato de que o cidadão, apesar de ter buscado o Estado-juiz, não
teria direito à tutela jurídica, pois nenhum direito ou pretensão sua fora
violado.
Esta foi a teoria de Savigny, segundo a qual a ação seria uma qualidade
do direito material reagindo a uma violação. A teoria clássica, porém, não
explicava um fenômeno comum, que é o julgamento de improcedência da ação
(ALVIM, 1999, p. 145).
Em contraposição a esta teoria, surgiram
manifestações como as de CHIOVENDA (2000, p. 89), que defendiam a autonomia do
"direito de ação". Todavia, ainda assim vinculavam o final da demanda
à existência ou não de ação:
"Chiovenda dizia mesmo que, acaso a ação fosse julgada
improcedente, quem teria exercido o direito de agir teria sido o réu, o que
absolutamente não condiz com a realidade, pois, mesmo tendo sido julgada
improcedente, quem exerceu o direito de ação foi, sempre, o autor" (ALVIM,
1999. p. 146).
Na verdade, CHIOVENDA (2000, p. 89) vinculava o
"direito de ação" às condições da ação, que seriam "[...] as
condições necessárias apara obter um posicionamento favorável".
Constata-se, todavia, que o "direito de ação", ou seja, o direito de
buscar no Estado-juiz a tutela dos interesses, é algo que nasce,
independentemente da relação material. Segundo PONTES DE MIRANDA:
O direito à tutela jurídica, com
sua pretensão e o exercício dessa pelas ações é direito, no mais rigoroso e
preciso dos sentidos; o Estado não é livre de prestar ou não, a prestação
jurisdicional, que prometeu desde que chamou a si a tutela jurídica, a Justiça.
[...] O Estado tem o dever correspondente a êsse (sic) direito, que é direito
subjetivo e dotado de pretensão, um de cujos elementos é a "ação", o
remédio jurídico processual (1972, p. 116).
Por isso, o que usa remédio processual exercita pretensão preexistente:
além do direito de estar em juízo, a pretensão à tutela jurídica, conferida,
conforme os tempos e lugares, ora a todos os que se acham no país, ora só aos
domiciliados, ora so aos nacionais, ora a parte dos nacionais (1972, p. 236).
No nosso ordenamento jurídico, a Constituição prevê
que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça
a direito" (CF, art. 5º, XXXV), deixando claro que a todos é garantido o
acesso ao Estado-juiz para deduzir em juízo sua pretensão de direito material.
A pretensão à tutela jurídica, portanto, não tem
vinculação com a violação ou não do direito material – o que explica a ação
julgada improcedente como efetivo exercício de uma pretensão à tutela jurídica
– o que resta evidenciado pela afirmação de VILANOVA (2000, p. 201): "Há a
abstrata e potencial titularidade ativa processual do sujeito, como há a
abstrata e potencial titularidade passiva do Estado, através de seu órgão-juiz
da prestação de tutela jurisdicional". Percebe-se, por conseguinte, que
VILANOVA, apesar de relacionar a pretensão à tutela jurídica à violação da pretensão
material, considera que a pretensão à tutela jurídica é abstrata em relação ao
direito material.
A pretensão à tutela jurídica é, portanto, de
natureza pré-processual, sendo efeito da incidência da norma
constitucional que coloca o sujeito de direito em uma situação ativa em relação
ao órgão estatal. Contudo, se tal pretensão é exercida, tem-se configurado o
pressuposto fático para a incidência das normas processuais, que darão ensejo à
relação jurídica processual.
"O conteúdo e a finalidade da pretensão à tutela
jurídica que é de direito público, consiste na obtenção da tutela jurídica.
Dirige-se contra o Estado, quer exerça o autor, quer exerça o réu" (PONTES
DE MIRANDA 1972, p. 116). Desta maneira, a pretensão à tutela jurídica não se
exerce contra o sujeito passivo, mas sim contra o Estado-juiz, que tem a
obrigação, correspectiva da pretensão, de prestar a tutela jurídica.
Identificam-se, pois, três momentos distintos: a relação
jurídica material; a pretensão
à tutela jurídica, que é
resultado da incidência de normas de direito público sendo abstrata e
independente da relação de direito material; e a relação jurídica processual
que se forma com o exercício da pretensão à tutela jurídica, sendo, pois, a
"manifestação de vontade que é justamente o exercíciodo direito subjetivo público de
acionar" (VILANOVA, 2002, p. 201).
6. O REMÉDIO JURÍDICO PROCESSUAL
PONTES DE MIRANDA (1972, p. 110) afirma que o
grande problema do conceito de "direito de ação" é a confusão que se
faz entre ação material e o remédio jurídico processual. "A ação exerce-se
principalmente por meio de ‘ação’ (remédio jurídico processual), isto é,
exercendo-se a pretensão à tutela jurídica, que o estado criou". A
expressão "direito de ação" é, portanto, imprópria, pois confunde o
conceito de ação material, pretensão à tutela jurídica e remédio jurídico
processual, três situações completamente distintas, geradas por fatos jurídicos
diversos.
"Infelizmente, encabulham-se sob o nome
genérico de "ações", o que significa estar em situação de exercer em
juízo a pretensão e o que constitui remédio jurídico processual." (PONTES
DE MIRANDA, 1976, p. 19). O remédio jurídico processual é a forma que se pode
exercitar a pretensão à tutela jurídica, trazendo-se a juízo, a alegação do direito
subjetivo, pretensão e ação material: a res in iudicium deducta. "Ora, deduzindo-se in
iudicium, há
direito deduzido, pretensão deduzida e ação deduzida; não há direito à
pretensão nem direito à ação" (PONTES DE MIRANDA, 1972, p. 116).
Antes que se busque concretamente o Estado-juiz,
tem-se apenas pretensão à tutela jurídica, abstrata e autônoma em relação ao
direito subjetivo material. Ao se buscar o Estado juiz, apresentando-se a
relação material a ser deduzida em juízo, tem-se a ocorrência do suporte fático
de normas processuais que dão ensejo à formação de fato jurídico hábil a
produzir a relação jurídica processual. "O remédio jurídico processual é
direito oriundo de lei processual, o caminho que tem de ser percorrido por
aquele que vai a juízo, dizendo-se com direito subjetivo, pretensão e ação, ou
somente com ação" (PONTES DE MIRANDA, 1976, p. 37)
PONTES DE MIRANDA (1979, p. XXIII) continua sua
conceituação de remédio jurídico processual:
Ação ou demanda ou lide é o negócio jurídico com o qual o autor põe o
juiz na obrigação de resolver a questão, ainda que seja "se cabe a
constituição, ou mandamento, ou a execução". À base da sua legitimação
para esse negócio jurídico estão a capacidade de ser parte e a pretensão à
tutela jurídica (uma e outra pré-processuais).
O fato jurídico gerado pela propositura da
"ação" é, portanto, de natureza diversa daquele que faz nascer a
pretensão à tutela jurídica. O remédio jurídico processual é direito que nasce
da incidência das normas processuais, que se refere ao caminho que tem de ser percorrido por
quem vai à juízo, dizendo-se com direito subjetivo, pretensão e ação, a relação
jurídica material. PONTES DE MIRANDA (1976, p. 37), mais uma vez distingue as
situações:
A pretensão à tutela jurídica é pré-processual. A pretensão ao exercício
de determinado remédio jurídico processual é pretensão processual, oriunda de
direito público subjetivo ao remédio jurídico processual, e.g., à
"ação" de obra nova, À "ação" executiva de títulos
extrajudiciais".
Desta forma, se há extinção do processo sem
julgamento meritório, implica dizer que houve o exercício da pretensão à tutela
jurídica, porém, os requisitos para o desenvolvimento do remédio jurídico
processual, previstos nas normas processuais, não ocorreram, fulminando-se a
pretensão ao exercício de determinado remédio jurídico processual.
Quando exercida a pretensão à tutela jurídica,
forma-se a relação jurídica processual que tem como sujeitos, o juiz e as
partes. Inicialmente, forma-se a ligação entre autor e juiz. Após o exercício
da pretensão à tutela jurídica pelo réu, ocorre a relação de angulação,
entretanto, isto não é essencial:
"A relação jurídica é entre autor e Estado; costuma-se completar
pela angulação (autor, Estado; Estado, réu), porém, isto não é necessário, nem
se exclui a reciprocidade nem a pluralidade de autores, com ou sem pluralidade
de réus" (PONTES DE MIRANDA, 1979, p. XXV).
Dentro da relação processual, identificam-se os
deveres do Juiz e das partes, que são aqueles previstos pelas normas
processuais, de
natureza completamente diversa da relação jurídica material, bem como da
pretensão à tutela jurídica, que tem conteúdo específico e natureza pré-processual.
Não há que se olvidar, portanto, da distinção entre
os momentos jurídicos da relação jurídica material, da pretensão à tutela
jurídica e da relação jurídica processual, situações dessemelhantes que não
podem ser confundidas para o bem da ciência jurídica. A correta identificação
de cada situação jurídica explica situações como a ação julgada improcedente,
onde se identifica que o sujeito, apesar de não ter ação material, participou
como sujeito de relação processual, bem como exerceu sua pretensão à tutela
jurídica, evitando-se terminologias que não demonstram a realidade do fenômeno
jurídico.
7. CONCLUSÃO
Percebe-se, destarte, que o chamado "direito
de ação" gera confusões pela própria expressão. Confunde o cientista, pois
coloca sob a mesma denominação situações jurídicas distintas como a ação
material, a pretensão à tutela jurídica e o remédio jurídico processual. Direito
de "ação", portanto, é uma impropriedade que deve ser evitada.
A identificação correta dos fatos jurídicos que dão
ensejo a cada uma das situações tratadas acima (direito subjetivo, pretensão,
ação material, pretensão à tutela jurídica e remédio jurídico processual) é de
suma importância para se entender e pensar o fenômeno jurídico-processual com o
rigor necessário e procurado pelo cientista do direito, destacando-se, deste
modo, a importância teórica e prática do tema proposto, como forma de tentar esclarecer
situações jurídicas tão próximas e, ao mesmo tempo, tão distintas em sua
natureza.
NOTAS
1. A oferta é considerada uma
situação complexa unilateral, pois não cria direitos e deveres correspectivos,
vinculando apenas um sujeito. Porém, gera para o receptor da oferta o que se
chama de direito formativo gerador, que é espécie de direito
potestativo. O destinatário da oferta tem direito formativo gerador a aceitá-la
ou não: "Também a favor do destinatário da oferta revogável nasce direito
formativo gerador: mediante seu exercício, compõe-se o negócio jurídico
bilateral" (PONTES DE MIRANDA, 1972, p. 40).
2. Para VILANOVA (2000, p. 188), é o
que se chama de relação jurídica em sentido estrito, posto que, segundo o
autor, toda situação jurídica no plano da eficácia é uma relação jurídica em
sentido amplo, pois envolve, sempre, alteridade.
3. O princípio da coextensão de
direito pretensão e ação é um princípio não essencial, tendo em vista a possibilidade
de ocorrência de direito sem ação e sem pretensão ou direito e pretensão sem
ação, como é o caso da dívida de jogo que não pode ser cobrada coativamente
pois é direito desprovido de ação. (PONTES DE MIRANDA, 1972, p. 31)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Direito Processual Civil. V. 01. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
MARQUES, José Frederico. Instituições
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das Ações. Tomo I.
2 ed. São Paulo: RT, 1972.
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2 ed. Campinas Bookseller, 1999.
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MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do
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DANTAS, Francisco Wildo Lacerda. Pretensão,
Ação (defesa) e Processo. São Paulo: Dialética. 1997.
Autor
Mestre e
doutorando em Filosofia e Teoria do Direito pela UFPE, Especialista em Direito
Processual pelo CESMAC/AL, Professor de Filosofia do Direito da Universidade
Federal de Alagoas - UFAL
Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT
CATÃO, Adrualdo de Lima. Considerações acerca dos
conceitos fundamentais da teoria geral do processo: direito subjetivo,
pretensão, ação material, pretensão à tutela jurídica e remédio jurídico
processual. Jus
Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002.
Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/3483>. Acesso em: 20 maio
2011.
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