21 de abr. de 2012

Direito Constitucional I - Classificações da Constituição Brasileira.( Vitor Condorelle)

 


O material que segue abaixo é de autoria do Professor Vitor Condorelle, disponível no academico, que aqui venho somente transcreve-lo
ü Conteúdo programático: Classificações da Constituição Brasileira.

 
Inúmeros critérios podem ser utilizados para classificar uma Constituição. Algumas classificações, por seu aspecto didático, são mais importantes para uma melhor compreensão do direito constitucional.

1.       Quanto à origem.

a)      Outorgada (imposta, usurpada ou autocrática). São aquelas impostas, de modo unilateral, pelo agente revolucionário (grupo ou governante), que não recebeu do povo a legitimidade para em nome dele atuar. São exemplos, as Constituições de 1824 (Império do Brazil), 1937 (inspirada no modelo fascista, introduzido por Getúlio Vargas), 1967 (ditadura militar) e 1969 (EC nº 1/69) (imposta pelo governo de juntas militares)[1].
b)      Promulgada (popular, votada ou democrática). Resulta do trabalho de uma Assembléia Nacional Constituinte, eleita diretamente pelo povo, para, em nome dele atuar, nascendo, portanto, da deliberação da representação legítima popular. Os exemplos são a de 1891 (primeira da República), 1934 (democracia social, inspirada na Constituição de Weimar), 1946 (redemocratização) e, a atual, de 1988[2].
§ Obs.:
Embora com as devidas ressalvas doutrinárias, é possível falar-se ainda na Constituição Cesarista, retratando um modelo de constituição cuja origem peculiar revela a participação popular por meio de um plebiscito ou de um referendum onde um ditador, um governante, um expoente político monopoliza o aparelho estatal e busca legitimar o seu poder nesses expedientes de consulta popular, apresentando ao povo uma constituição unilateralmente elaborada, o que evidencia um processo especial de outorga política (p.ex. confeccionada por um Imperador (plebiscitos napoleônicos) ou por um Ditador (no caso do Chile, durante o governo de Pinochet).
A Constituição Pactuada (ou pactual) é aquela que exprime um compromisso instável de duas forças políticas rivais: a realeza absoluta debilitada e a burguesia, em franco progresso. É uma forma de equilíbrio, surgindo a denominada monarquia limitada. Como exemplo, há a Magna Carta de 1215, a Constituição Francesa de 1791, as Constituições Espanholas de 1845 e 1876, a Constituição Grega de 1844 e a Búlgara de 1879.

2.       Quanto à forma.

a)      Escrita (orgânica, reduzida, instrumental ou positiva). É a Constituição codificada e sistematizada num texto único, escrito, elaborado por um órgão constituinte, encerrando todas as normas tidas como fundamentais sobre a estrutura do Estado, a organização dos poderes constituídos, seu modo de exercício e limites de atuação, e os direitos fundamentais (políticos, individuais, coletivos, econômicos e sociais). São exemplos: A Constituição brasileira de 1988, a portuguesa, a espanhola etc.
Como destaca o Prof. Paulo Bonavides[3], as Constituições escritas dividem-se em:
§ Constituições Codificadas. Segundo o mestre, as Constituições Codificadas são aquelas que se acham contidas inteiramente num só texto, com os seus princípios e disposições sistematicamente ordenados e articulados em títulos, capítulos e seções, formando em geral um único corpo de norma (TEXTO CONSTITUCIONAL).
§ Constituições Legais. As Constituições Legais são formadas por textos esparsos ou fragmentados, entretanto, todos escritos. Como exemplo, encontrava-se a Constituição Francesa de 1875 (LEIS CONSTITUCIONAIS + LEIS CONSTITUCIONAIS).
b)      Não escrita (inorgânica, variada, costumeira ou consuetudinária). É a Constituição cujas normas não constam de um documento único e solene, mas se baseia principalmente nos costumes, na jurisprudência e em convenções e em textos constitucionais esparsos. Até o século XVIII preponderavam as Constituições costumeiras, hoje restaram poucas, como a Inglesa e a de Israel, esta última em vias de ser positivada (TEXTO CONSTITUCIONAL + LEIS CONSTITUCIONAIS).
§ Obs.:
É importante salientar que um fato novo parece ter suavizado a condição de Constituição escrita da atual Carta brasileira. Com o advento da Emenda Constitucional nº. 45/2004 (Reforma do Judiciário), foi introduzido o §3º, no art. 5º, possibilitando que tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos possam ter força de norma constitucional, ainda que não estejam inseridos formalmente na Constituição Federal de 1988. Reza o dispositivo: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.
3.       Quanto à extensão (tamanho ou finalidade).
a)      Concisa (breve, sumária, sucinta ou sintética). É aquela que abrange apenas, de forma sucinta, princípios gerais ou enuncia regras básicas de organização e funcionamento do sistema jurídico estatal, deixando a parte de pormenorização à legislação complementar. Pinto Ferreira[4], analisando o constitucionalismo pátrio, indica a Constituição de 1891 como exemplo de sintética.
b)      Prolixa (expansiva, extensa, ampla, larga ou analítica). É aquela que trata de minúcias de regulamentação, que melhor caberiam em normas ordinárias (vários aspectos da vida social, como a economia, a vida familiar, o meio ambiente, a seguridade social...). Segundo Paulo Bonavides[5], estas Constituições apresentam-se cada vez em maior número, incluindo-se a atual Constituição Brasileira, que a exemplo do citado anteriormente, contém o art. 242, §2° que dispõe: “O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal”. Nota-se que é uma Constituição típica de países com alta densidade de instabilidade na vida social; assim tenta-se suplantar essa instabilidade sociológica com uma “pretensa estabilidade jurídica”.
4.       Quanto ao conteúdo (substância ou supremacia).
a)      Material. É aquela que se apresenta não necessariamente sob a forma escrita e é modificável por processos e formalidades ordinários e por vezes independentemente de qualquer processo legislativo formal (através de novos costumes e entendimentos jurisprudenciais). Materialmente constitucional será aquele texto que contiver as normas fundamentais e estruturais do Estado, a organização de seus órgãos, os direitos e garantias fundamentais. A Constituição brasileira de 1824 estabelecia em seu art. 178 que somente seria constitucional o que dissesse respeitos aos poderes políticos e aos direitos políticos e individuais dos cidadãos; tudo o que não fosse constitucional poderia ser alterado, sem as formalidades referidas (nos arts. 173 a 177), pelas legislaturas ordinárias. 
b)      Formal. É aquela que se apresenta sob a forma de um documento escrito, solenemente estabelecido quando do exercício do poder constituinte e somente modificável por processos e formalidades especiais nela própria estabelecidos. Apóia-se na rigidez constitucional. O critério elegido foi o processo de formação e não o conteúdo de suas normas. Tudo o que nela estiver escrito é constitucional. A atual Constituição é formal, pois embora possua normas que não tratem apenas da organização e estruturação do Estado e dos direitos e garantias fundamentais, as cláusulas nela contidas somente serão modificadas por meio de emendas à Constituição e não por uma simples lei ordinária.
§ Obs.:
A Constituição, de forma concisa, é dotada de três prerrogativas: supremacia, supralegalidade e imutabilidade relativa. Dessas características, a supremacia ocupa função preponderante, fazendo com que as normas constitucionais se tornem imprescindíveis para o ordenamento jurídico. A supremacia é a essência para o entendimento do papel ocupado pela atual Constituição.
5.       Quanto ao modo de elaboração.
a)      Dogmática (sistemática ou unitária). Será sempre uma Constituição escrita, é a elaborada por um órgão constituinte, e sistematiza os dogmas ou idéias fundamentais da teoria política e do Direito dominantes num dado momento. Como exemplo, destacamos a Constituição brasileira de 1988.
b)      Histórica (ou costumeira). Comporta-se como uma Constituição não escrita, resulta de lenta transformação histórica, da lenta evolução das tradições, usos, costumes e dos fatos sócio-políticos. A Constituição inglesa é um exemplo adequado ao conceito.
6.       Quanto à estabilidade (rigidez, flexibilidade, mutabilidade, consistência ou processo de reforma).
a)      Fixa (ou silenciosa). É a Constituição que só pode ser modificada pelo mesmo poder que a criou (Poder Constituinte Originário). São as chamadas Constituições silenciosas, por não preverem procedimentos especiais para sua modificação. P.ex. Constituição Espanhola de 1876. 
b)      Imutável. Criada por alguns doutrinadores, mas reprovada pela grande maioria devido a entenderem que a estabilidade das Constituições não deve ser absoluta, imutável, perene, porque a própria dinâmica social exige constantes adaptações para atender as suas exigências, como bem observa Celso Ribeiro Bastos[6]. A Constituição deve representar a vontade de um povo e essa vontade varia com o tempo, por isso a necessidade de que a Constituição se modifique. Não prevê nenhum tipo de modificação, sendo, nos dias atuais, uma relíquia histórica. Surgiram com a pretensão de eternidade e, portanto, não podiam ser modificadas sob pena de maldição dos deuses. P.ex. Código de Hamurabi, Lei das XII Tábuas...
c)       Transitoriamente Imutável. É a Constituição que durante um determinado período jamais poderá ser alterada. P.ex. A Constituição de 1824 que somente poderia ser alterada após 4 anos de sua vigência[7].
d)      Rígida. Trata-se de uma Constituição que somente pode ser modificada mediante processo legislativo, solenidades e exigências formais especiais, diferentes e mais difíceis do que aqueles exigidos para a formação e modificação de leis comuns (ordinárias e complementares). Quanto maior for a dificuldade, maior será a rigidez. A rigidez da atual Constituição Brasileira é marcada pelas limitações procedimentais ou formais presentes no art. 60. Quase todos os Estados modernos aderem a essa forma de Constituição, assim como todas as Constituições Brasileiras, salvo a primeira, a Constituição Imperial, de 1824, considerada semi-rígida.
§ Obs.:
1. Cabe lembrar que só há rigidez constitucional em Constituições escritas e que só cabe controle da constitucionalidade na parte rígida de uma Constituição. Por conseqüência, não existe possibilidade de controle da constitucionalidade nas Constituições flexíveis ou em qualquer Constituição costumeira.
2. Alexandre de Moraes[8], considerando a existência de limitações materiais explícitas no atual texto constitucional (denominadas cláusulas pétreas, art. 60, §4°), classifica a atual Constituição como super-rígida, pois embora somente possa ser alterada por meio de um procedimento especial, mais dificultoso, existem matérias que, por opção do legislador constituinte originário, são insuscetíveis de abolição por meio de Emenda Constitucional.
e)      Flexível (ou plástica)[9]. É aquela Constituição que pode ser modificada livremente pelo legislador segundo o mesmo processo de elaboração e modificação das leis ordinárias. A flexibilidade constitucional se faz possível tanto nas Constituições costumeiras quanto nas Constituições escritas.
f)       Transitoriamente Flexível. Trata-se de uma Constituição que traz a previsão de que até determinada data a Constituição poderá ser emendada por procedimentos comuns. Após essa data, a Constituição só poderá ser alterada por procedimentos especiais nela previstos. P.ex. A Constituição de Baden-Württenberg (um Estado da Alemanha) celebrada em 1947.
g)      Semi-rígida (ou semi-flexível). É a Constituição que contém uma parte rígida e outra flexível. A Constituição Imperial Brasileira de 1824 foi semi-rígida[10].
7.       Quanto ao modelo (estrutura ou função)[11].
a)      Garantia (clássica ou negativa). É a que se preocupa especialmente em proteger os direitos individuais frente aos demais indivíduos e especialmente ao Estado, definindo, basicamente, princípios e regras de organização do Estado. Visa a garantir a liberdade, limitando o poder. Impõe limites à atuação do Estado na esfera privada e estabelece ao Estado o dever de não-fazer (obrigação-negativa, status negativus).
b)      Dirigente (programática ou compromissória). É a Constituição que contém um conjunto de normas-princípios, ou seja, normas constitucionais de princípio programático, com esquemas genéricos, programas e tarefas a serem concretizados pelos poderes públicos. É a que traz um projeto de Estado. As normas programáticas exigem não só a regulamentação legal, mas também decisões políticas e providências administrativas. As normas programáticas constitucionais estabelecem fundamentos, fixam objetivos, declaram princípios e enunciam diretrizes. A atual Constituição Brasileira traz numerosas normas de princípio programático, a saber: arts. 3º, 4º, parágrafo único; 144; 196; 205 e 225.
c)       Balanço. É a Constituição que, ao caracterizar uma determinada organização política presente, prepara a transição para uma nova etapa. Exemplo típico foi o que aconteceu na URSS, que adotou Constituições seguidas (1924, 1936 e 1977), cada qual com a finalidade de refletir um distinto estágio do Socialismo (fazer um “balanço” de cada estágio).
8.       Quanto à ideologia (dogmática ou inspiração).
a)      Ortodoxa (ou simples). É constituída por uma só ideologia (a exemplo da Constituição Soviética de 1936, de 1977, hoje extintas e as diversas Constituições da China marxista).
b)      Eclética (ou complexa). É formada por ideologias conciliatórias (a atual Constituição brasileira, por exemplo).
9. Quanto à origem da decretação.
a)      Autoconstituição. A Constituição é elaborada por órgãos do próprio Estado que irá organizar.
b)       Heteroconstituição. Quando decretada de fora do Estado, seja por uma organização internacional, seja por outros Estados. P.ex. Constituição do Canadá, Jamaica, Nova Zelândia e Austrália, aprovadas pelo Parlamento Britânico; a Constituição da Bósnia-Herzegovina após a celebração do Acordo de Dayton ou Protocolo de Paris que é o acordo a que se chegou na Base Aérea Wright-Patterson, perto de Dayton, no estado norte-americano do Ohio, em Novembro de 1995 e formalmente assinado em Paris a 14 de Dezembro desse mesmo ano.
10.   Quanto ao Momento.
a)      Pré-Constituição. É o conjunto de normas que tem por finalidade:
I)  Definir o regime de elaboração e aprovação da Constituição;  
II)         Estruturar o Poder Político do Estado.
São exemplos: O Decreto nº 01, de 15.11.1889 – Espécie de Constituição Provisória, chamada de Lei de Organização do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, da lavra de Rui Barbosa; e o Decreto 19.398, de 11.11.30 – Lei de Organização do Governo Provisório – Getúlio Vargas, levado ao poder pela Revolução de 30.
b)      Constituição Definitiva. Representa o produto final do Poder Constituinte Originário.
11.   Quanto à correspondência com a realidade.
Conforme a correspondência com a realidade, vale ressaltar a classificação sugerida por Karl Loewenstein[12] denominada ontológica porque se baseia no uso que os detentores do poder fazem da Constituição. Segundo o autor, as Constituições são consideradas:
a)      Normativas. As Constituições efetivas, ou seja, as que determinam o exercício do poder, obrigando todos a sua submissão.
b)      Nominalistas ou nominativas. Aquelas ignoradas pela prática do poder. Pode-se dizer, inclusive, que a Constituição brasileira de 1891 foi nominativa, pois suas disposições não encontraram respaldo na realidade social, isto é, seus comandos não foram efetivamente cumpridos.
c)       Semânticas. Servem para justificar a dominação daqueles que exercem o poder político.
        


[1] Alguns estudiosos a apelidam de “Carta Constitucional”.
[2] Chamada de “Constituição”.
[3] BONAVIDES, P. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
[4] FERREIRA, L.P. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1999.
[5] BONAVIDES, P. Ob. Cit., 2007.
[6] BASTOS, C.R. Curso de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos, 2002.
[7] Art. 174 da Constituição do Império: “Se passados quatro annos, depois de jurada a Constituição do Brazil, se conhecer, que algum dos seus artigos merece reforma, se fará a proposição por escripto, a qual deve ter origem na Camara dos Deputados, e ser apoiada pela terça parte delles”.
[8] MORAES, A. de. Direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
[9] Raul Machado Horta (Direito constitucional. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003) considera a Constituição de 1988 plástica, na medida em que permite o preenchimento das regras constitucionais pelo legislador infraconstitucional. O conceito do renomado autor não é o mesmo dos demais, portanto.
[10] Art. 178 da Constituição do Império: “É só Constitucional o que diz respeito aos limites, e attribuições respectivas dos Poderes Políticos, e aos Direitos Políticos, e individuaes dos Cidadãos. Tudo, o que não é Constitucional, pode ser alterado sem as formalidades referidas, pelas legislaturas ordinárias”.
[11] FERREIRA FILHO, M. G. Curso de direito constitucional. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
[12] LOEWENSTEIN, K. Teoria de la constitución. 2. ed. Barcelona: Ariel, 1970.

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