O material que segue abaixo é de autoria do Professor Vitor Condorelle, disponível no academico, que aqui venho somente transcreve-lo
ü
Conteúdo programático: Classificações da Constituição
Brasileira.
Inúmeros critérios podem ser utilizados para classificar uma
Constituição. Algumas classificações, por seu aspecto didático, são mais
importantes para uma melhor compreensão do direito constitucional.
1.
Quanto à origem.
a)
Outorgada (imposta, usurpada ou autocrática). São aquelas impostas, de modo unilateral, pelo agente revolucionário
(grupo ou governante), que não recebeu do povo a legitimidade para em nome dele
atuar. São exemplos, as Constituições de 1824 (Império do Brazil), 1937
(inspirada no modelo fascista, introduzido por Getúlio Vargas), 1967 (ditadura
militar) e 1969 (EC nº 1/69) (imposta pelo governo de juntas militares)[1].
b)
Promulgada (popular, votada ou democrática). Resulta do trabalho de uma Assembléia Nacional Constituinte, eleita
diretamente pelo povo, para, em nome dele atuar, nascendo, portanto, da
deliberação da representação legítima popular. Os exemplos são a de 1891
(primeira da República), 1934 (democracia social, inspirada na Constituição de
Weimar), 1946 (redemocratização) e, a atual, de 1988[2].
§
Obs.:
Embora com as devidas ressalvas doutrinárias, é
possível falar-se ainda na Constituição Cesarista, retratando um modelo
de constituição cuja origem peculiar revela a participação popular por meio de
um plebiscito ou de um referendum onde um ditador, um governante, um
expoente político monopoliza o aparelho estatal e busca legitimar o seu poder
nesses expedientes de consulta popular, apresentando ao povo uma constituição
unilateralmente elaborada, o que evidencia um processo especial de outorga
política (p.ex. confeccionada por um
Imperador (plebiscitos napoleônicos)
ou por um Ditador (no caso do Chile,
durante o governo de Pinochet).
A Constituição Pactuada (ou
pactual) é aquela que exprime um compromisso instável de duas forças políticas rivais: a
realeza absoluta debilitada e a burguesia, em franco progresso. É uma forma de
equilíbrio, surgindo a denominada monarquia limitada. Como exemplo, há a Magna
Carta de 1215, a
Constituição Francesa de 1791, as Constituições Espanholas de 1845 e 1876, a Constituição Grega
de 1844 e a Búlgara de 1879.
2.
Quanto à forma.
a)
Escrita (orgânica, reduzida, instrumental ou
positiva). É a Constituição codificada e sistematizada num
texto único, escrito, elaborado por um órgão constituinte, encerrando todas as
normas tidas como fundamentais sobre a estrutura do Estado, a organização dos
poderes constituídos, seu modo de exercício e limites de atuação, e os direitos
fundamentais (políticos, individuais, coletivos, econômicos e sociais). São
exemplos: A Constituição brasileira de 1988, a portuguesa, a espanhola etc.
Como destaca o Prof. Paulo Bonavides[3], as Constituições
escritas dividem-se em:
§
Constituições
Codificadas. Segundo o mestre, as Constituições
Codificadas são aquelas que se acham contidas inteiramente num só texto, com os
seus princípios e disposições sistematicamente ordenados e articulados em
títulos, capítulos e seções, formando em geral um único corpo de norma (TEXTO
CONSTITUCIONAL).
§
Constituições
Legais. As Constituições Legais são formadas
por textos esparsos ou fragmentados, entretanto, todos escritos. Como exemplo,
encontrava-se a Constituição Francesa de 1875 (LEIS CONSTITUCIONAIS + LEIS CONSTITUCIONAIS).
b)
Não escrita (inorgânica, variada, costumeira
ou consuetudinária). É a Constituição cujas normas não constam de um
documento único e solene, mas se baseia principalmente nos costumes, na
jurisprudência e em convenções e em textos constitucionais esparsos. Até o
século XVIII preponderavam as Constituições costumeiras, hoje restaram poucas,
como a Inglesa e a de Israel, esta última em vias de ser positivada (TEXTO CONSTITUCIONAL + LEIS CONSTITUCIONAIS).
§
Obs.:
É importante salientar que um fato novo parece ter suavizado a condição
de Constituição escrita da atual Carta brasileira. Com o advento da Emenda
Constitucional nº. 45/2004 (Reforma do
Judiciário), foi introduzido o §3º, no art. 5º, possibilitando que tratados
e convenções internacionais sobre direitos humanos possam ter força de norma
constitucional, ainda que não estejam inseridos formalmente na Constituição
Federal de 1988. Reza o dispositivo: “Os tratados e convenções internacionais
sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso
Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros,
serão equivalentes às emendas constitucionais”.
3.
Quanto à extensão (tamanho ou finalidade).
a)
Concisa (breve, sumária, sucinta ou
sintética). É aquela que abrange apenas, de forma sucinta,
princípios gerais ou enuncia regras básicas de organização e funcionamento do
sistema jurídico estatal, deixando a parte de pormenorização à legislação
complementar. Pinto Ferreira[4],
analisando o constitucionalismo pátrio, indica a Constituição de 1891 como
exemplo de sintética.
b) Prolixa
(expansiva, extensa, ampla, larga ou analítica). É aquela que
trata de minúcias de regulamentação, que melhor caberiam em normas ordinárias
(vários aspectos da vida social, como a economia, a vida familiar, o meio
ambiente, a seguridade social...). Segundo Paulo Bonavides[5],
estas Constituições apresentam-se cada vez em maior número, incluindo-se a
atual Constituição Brasileira, que a exemplo do citado anteriormente, contém o
art. 242, §2° que dispõe: “O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será
mantido na órbita federal”. Nota-se
que é uma Constituição típica de países com alta densidade de instabilidade na
vida social; assim tenta-se suplantar essa instabilidade sociológica com uma
“pretensa estabilidade jurídica”.
4.
Quanto ao conteúdo (substância ou supremacia).
a)
Material. É aquela que se
apresenta não necessariamente sob a forma escrita e é modificável por processos
e formalidades ordinários e por vezes independentemente de qualquer processo
legislativo formal (através de novos
costumes e entendimentos jurisprudenciais). Materialmente constitucional
será aquele texto que contiver as normas fundamentais e estruturais do Estado,
a organização de seus órgãos, os direitos e garantias fundamentais. A
Constituição brasileira de 1824 estabelecia em seu art. 178 que somente seria
constitucional o que dissesse respeitos aos poderes políticos e aos direitos
políticos e individuais dos cidadãos; tudo o que não fosse constitucional
poderia ser alterado, sem as formalidades referidas (nos arts. 173 a 177), pelas
legislaturas ordinárias.
b)
Formal. É aquela que
se apresenta sob a forma de um documento escrito, solenemente estabelecido
quando do exercício do poder constituinte e somente modificável por processos e
formalidades especiais nela própria estabelecidos. Apóia-se na rigidez
constitucional. O critério elegido foi o processo de formação e não o conteúdo
de suas normas. Tudo o que nela estiver escrito é constitucional. A atual
Constituição é formal, pois embora possua normas que não tratem apenas da
organização e estruturação do Estado e dos direitos e garantias fundamentais,
as cláusulas nela contidas somente serão modificadas por meio de emendas à
Constituição e não por uma simples lei ordinária.
§ Obs.:
A Constituição, de forma concisa, é dotada de três
prerrogativas: supremacia,
supralegalidade e imutabilidade
relativa. Dessas características, a supremacia ocupa função preponderante,
fazendo com que as normas constitucionais se tornem imprescindíveis para o
ordenamento jurídico. A supremacia é a essência para o entendimento do papel
ocupado pela atual Constituição.
5.
Quanto ao modo de elaboração.
a)
Dogmática (sistemática ou unitária). Será
sempre uma Constituição escrita, é a elaborada por um órgão constituinte, e
sistematiza os dogmas ou idéias fundamentais da teoria política e do Direito
dominantes num dado momento. Como exemplo, destacamos a Constituição brasileira
de 1988.
b)
Histórica (ou costumeira). Comporta-se como uma
Constituição não escrita, resulta de lenta transformação histórica, da lenta
evolução das tradições, usos, costumes e dos fatos sócio-políticos. A
Constituição inglesa é um exemplo adequado ao conceito.
6.
Quanto à estabilidade (rigidez, flexibilidade,
mutabilidade, consistência ou processo de reforma).
a)
Fixa (ou silenciosa). É a Constituição que só
pode ser modificada pelo mesmo poder que a criou (Poder Constituinte Originário). São as chamadas Constituições silenciosas, por não
preverem procedimentos especiais para sua modificação. P.ex. Constituição Espanhola de 1876.
b)
Imutável. Criada por alguns doutrinadores, mas reprovada
pela grande maioria devido a entenderem que a estabilidade das Constituições
não deve ser absoluta, imutável, perene, porque a própria dinâmica social exige
constantes adaptações para atender as suas exigências, como bem observa Celso
Ribeiro Bastos[6].
A Constituição deve representar a vontade de um povo e essa vontade varia com o
tempo, por isso a necessidade de que a Constituição se modifique. Não prevê
nenhum tipo de modificação, sendo, nos dias atuais, uma relíquia histórica. Surgiram
com a pretensão de eternidade e, portanto, não podiam ser modificadas sob pena
de maldição dos deuses. P.ex. Código
de Hamurabi, Lei das XII Tábuas...
c)
Transitoriamente Imutável. É a
Constituição que durante um determinado período jamais poderá ser alterada. P.ex. A Constituição de 1824 que somente
poderia ser alterada após 4 anos de sua vigência[7].
d)
Rígida. Trata-se de
uma Constituição que somente pode ser modificada mediante processo legislativo,
solenidades e exigências formais especiais, diferentes e mais difíceis do que
aqueles exigidos para a formação e modificação de leis comuns (ordinárias e
complementares). Quanto maior for a dificuldade, maior será a rigidez. A
rigidez da atual Constituição Brasileira é marcada pelas limitações
procedimentais ou formais presentes no art. 60. Quase todos os Estados modernos
aderem a essa forma de Constituição, assim como todas as Constituições
Brasileiras, salvo a primeira, a Constituição Imperial, de 1824, considerada
semi-rígida.
§
Obs.:
1. Cabe lembrar que só há rigidez constitucional em Constituições escritas
e que só cabe controle da constitucionalidade na parte rígida de uma
Constituição. Por conseqüência, não existe possibilidade de controle da
constitucionalidade nas Constituições flexíveis ou em qualquer Constituição
costumeira.
2. Alexandre de Moraes[8],
considerando a existência de limitações materiais explícitas no atual texto
constitucional (denominadas cláusulas
pétreas, art. 60, §4°), classifica a atual Constituição como super-rígida, pois embora somente possa
ser alterada por meio de um procedimento especial, mais dificultoso, existem
matérias que, por opção do legislador constituinte originário, são
insuscetíveis de abolição por meio de Emenda Constitucional.
e)
Flexível (ou plástica)[9]. É aquela Constituição que pode ser modificada livremente pelo
legislador segundo o mesmo processo de elaboração e modificação das leis
ordinárias. A flexibilidade constitucional se faz possível tanto nas
Constituições costumeiras quanto nas Constituições escritas.
f)
Transitoriamente Flexível. Trata-se de uma Constituição que traz a
previsão de que até determinada data a Constituição poderá ser emendada por
procedimentos comuns. Após essa data, a Constituição só poderá ser alterada por
procedimentos especiais nela previstos. P.ex. A Constituição de Baden-Württenberg
(um Estado da Alemanha) celebrada em 1947.
g)
Semi-rígida (ou semi-flexível). É a Constituição que contém uma parte rígida e outra flexível. A
Constituição Imperial Brasileira de 1824 foi semi-rígida[10].
a)
Garantia (clássica ou negativa). É a que se preocupa especialmente em proteger os direitos individuais
frente aos demais indivíduos e especialmente ao Estado, definindo, basicamente, princípios e regras de organização do Estado.
Visa a garantir a liberdade, limitando o poder. Impõe limites à atuação do
Estado na esfera privada e estabelece ao Estado o dever de não-fazer
(obrigação-negativa, status negativus).
b)
Dirigente (programática ou compromissória). É a Constituição
que contém um conjunto de normas-princípios, ou seja, normas constitucionais de
princípio programático, com esquemas genéricos, programas e tarefas a serem concretizados pelos poderes públicos. É
a que traz um projeto de Estado. As normas programáticas exigem não só a
regulamentação legal, mas também decisões políticas e providências
administrativas. As normas programáticas constitucionais estabelecem
fundamentos, fixam objetivos, declaram princípios e enunciam diretrizes. A atual
Constituição Brasileira traz numerosas normas de princípio programático, a
saber: arts. 3º, 4º, parágrafo único; 144; 196; 205 e 225.
c)
Balanço. É a
Constituição que, ao caracterizar uma determinada organização política
presente, prepara a transição para uma nova etapa. Exemplo típico foi o que
aconteceu na URSS, que adotou Constituições seguidas (1924, 1936 e 1977), cada
qual com a finalidade de refletir um distinto estágio do Socialismo (fazer um
“balanço” de cada estágio).
8.
Quanto à ideologia (dogmática ou inspiração).
a)
Ortodoxa (ou simples). É constituída
por uma só ideologia (a exemplo da Constituição Soviética de 1936, de 1977,
hoje extintas e as diversas Constituições da China marxista).
b)
Eclética (ou complexa). É formada por
ideologias conciliatórias (a atual Constituição brasileira, por exemplo).
9. Quanto à origem
da decretação.
a)
Autoconstituição. A Constituição é elaborada
por órgãos do próprio Estado que irá organizar.
b)
Heteroconstituição. Quando decretada de fora
do Estado, seja por uma organização internacional, seja por outros Estados. P.ex. Constituição do Canadá, Jamaica,
Nova Zelândia e Austrália, aprovadas pelo Parlamento Britânico; a Constituição da Bósnia-Herzegovina após a celebração do Acordo de
Dayton ou Protocolo de Paris que é o acordo a que se chegou na Base Aérea
Wright-Patterson, perto de Dayton,
no estado norte-americano
do Ohio, em Novembro de 1995 e formalmente assinado em Paris a 14 de
Dezembro desse mesmo ano.
10.
Quanto ao Momento.
a)
Pré-Constituição. É o conjunto de normas que
tem por finalidade:
I) Definir o regime de elaboração e aprovação da Constituição;
II)
Estruturar o Poder Político do Estado.
São exemplos: O Decreto nº 01, de 15.11.1889 – Espécie de Constituição Provisória, chamada de Lei de
Organização do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, da
lavra de Rui Barbosa; e o Decreto 19.398, de 11.11.30 – Lei de Organização do Governo Provisório – Getúlio
Vargas, levado ao poder pela Revolução de 30.
b)
Constituição Definitiva. Representa o produto final do Poder Constituinte
Originário.
11.
Quanto à correspondência com a realidade.
Conforme a correspondência com a
realidade, vale ressaltar a classificação sugerida por Karl Loewenstein[12]
denominada ontológica porque se baseia no uso que os detentores do
poder fazem da Constituição. Segundo o autor, as Constituições são
consideradas:
a)
Normativas. As Constituições efetivas, ou seja, as que determinam o exercício do
poder, obrigando todos a sua submissão.
b)
Nominalistas
ou nominativas. Aquelas ignoradas pela prática do poder. Pode-se
dizer, inclusive, que a Constituição brasileira de 1891 foi nominativa, pois
suas disposições não encontraram respaldo na realidade social, isto é, seus
comandos não foram efetivamente cumpridos.
c)
Semânticas. Servem para justificar a dominação daqueles que exercem o poder
político.
[1] Alguns
estudiosos a apelidam de “Carta
Constitucional”.
[2] Chamada
de “Constituição”.
[4]
FERREIRA, L.P. Curso de direito
constitucional. São Paulo: Saraiva, 1999.
[5]
BONAVIDES, P. Ob. Cit., 2007.
[6] BASTOS,
C.R. Curso de direito constitucional.
São Paulo: Celso Bastos, 2002.
[7]
Art. 174 da Constituição do Império: “Se
passados quatro annos, depois de jurada a Constituição do Brazil, se conhecer,
que algum dos seus artigos merece reforma, se fará a proposição por escripto, a
qual deve ter origem na Camara dos Deputados, e ser apoiada pela terça parte
delles”.
[8] MORAES,
A. de. Direito constitucional. 23.
ed. São Paulo: Atlas, 2008.
[9] Raul
Machado Horta (Direito constitucional.
4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003) considera a Constituição de 1988
plástica, na medida em que permite o preenchimento das regras constitucionais
pelo legislador infraconstitucional. O conceito do renomado autor não é o mesmo
dos demais, portanto.
[10]
Art. 178 da Constituição do Império: “É só
Constitucional o que diz respeito aos limites, e attribuições respectivas dos
Poderes Políticos, e aos Direitos Políticos, e individuaes dos Cidadãos. Tudo,
o que não é Constitucional, pode ser alterado sem as formalidades referidas,
pelas legislaturas ordinárias”.
[11] FERREIRA
FILHO, M. G. Curso de direito
constitucional. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
Nenhum comentário:
Postar um comentário